
Seguro de vida e saúde mental: Como as seguradoras estão lidando com esse desafio?
O setor de seguros de vida enfrenta um desafio crescente com o avanço das discussões sobre saúde mental. Se antes as apólices eram estruturadas com foco quase exclusivo em doenças físicas e acidentes, a pressão social e regulatória tem impulsionado o debate sobre a inclusão de transtornos mentais nas coberturas. Essa nova realidade impõe um dilema crucial para as seguradoras: como garantir um equilíbrio sustentável entre a proteção ao segurado e a preservação da viabilidade econômica do produto?
A demanda por cobertura para transtornos mentais vem crescendo, impulsionada pelo aumento exponencial dos diagnósticos de depressão, ansiedade e síndromes associadas ao esgotamento profissional. Ocorre que, diferentemente das doenças físicas, as patologias psiquiátricas apresentam uma subjetividade que torna a mensuração do risco uma tarefa extremamente complexa.
Uma das dificuldades enfrentadas pelas seguradoras reside na avaliação da origem da incapacidade do segurado, já que muitas delas não apresentam sintomas verificáveis de maneira objetiva. Lado outro, ainda há a falta de conhecimento da diferença conceitual existente entre as coberturas de IFPD – Invalidez Funcional por Doença, que garante o pagamento da indenização no caso de invalidez consequente de doença quando causa a perda da existência independente do segurado, e a ILPD – Invalidez Laboral por Doença, que garante o pagamento de indenização em caso de incapacidade profissional, permanente e total, sem contar o problema dos laudos médicos que, por vezes, divergem sobre o grau de comprometimento do segurado, o que abre margem para questionamentos jurídicos e disputas que oneram o setor.
A subscrição dessas apólices se torna ainda mais desafiadora diante da ausência de parâmetros claros para a definição de gravidade e permanência dos transtornos mentais. Diferentemente de doenças cardíacas ou oncológicas, cuja progressão pode ser analisada com exames laboratoriais, as doenças psiquiátricas dependem essencialmente da avaliação subjetiva do paciente e do especialista. Isso gera um risco ampliado para as seguradoras, que podem se ver obrigadas a arcar com indenizações nos casos que a incapacidade alegada não reflete os requisitos técnicos exigidos para ser acobertada pela garantia reclamada, pois na maioria das vezes sequer houve a contratação da garantia de ILPD, para abarcar os casos que gera incapacidade laborativa.
O marco regulatório brasileiro ainda não oferece uma estrutura robusta para enfrentar esse dilema de maneira eficaz. A Lei nº 14.831/2024, que criou o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, trouxe um primeiro passo na valorização do tema, mas ainda está distante de regulamentar os impactos dessa realidade para o setor securitário. Se a sociedade quer ampliar a inclusão da saúde mental nos contratos de seguro de vida, é imprescindível conhecer os produtos que são comercializados no mercado segurador, além do arcabouço jurídico caminhar na mesma direção, oferecendo segurança operacional às seguradoras para que o produto continue financeiramente viável.
Por outro lado, algumas seguradoras têm se adaptado e desenvolvido soluções que minimizem esses riscos sem comprometer a estabilidade do mercado. Como a adoção de estudos sobre os contratos de seguros, suas coberturas e abrangências, os impactos das condenações para os grupos mutuais no tocante aos prêmios em produtos com alta sinistralidade. Realizar ainda a análise do impacto de diferentes políticas e regulamentações sobre a proteção da mutualidade pode ajudar a identificar quais abordagens são mais eficientes, etc. A questão que se impõe, no entanto, é se essas iniciativas serão suficientes para conter um eventual aumento da judicialização, que pode tornar a operação inviável no longo prazo.
O fato é que o seguro de vida não pode se tornar um instrumento de concessão irrestrita de indenizações, sob pena de colapsar o sistema. A saúde mental é uma pauta relevante e merece atenção, mas a expansão das coberturas para doenças psiquiátricas deve ser acompanhada por critérios objetivos que garantam a previsibilidade atuarial e a proteção das seguradoras contra fraudes e abusos. O desafio do setor não está apenas na adaptação a um novo cenário social, mas na construção de um modelo que assegure equilíbrio e sustentabilidade, preservando o princípio fundamental do seguro: cobrir riscos reais, mensuráveis e economicamente sustentáveis.
Fonte: migalhas.com.br